Habemus carro
- Marcos Ferri
- 30 de abr. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 6 de mar.
Da série textos de bolso...

Carro no dicionário é definido de forma simplista como “qualquer veículo que trafegue sobre rodas”. Veículo, por sua vez, é resumido no Aurélio (ou no Dicio, Houaiss, o que você bem quiser, ok?) como qualquer meio de transporte.
É fácil até para uma criancinha que ainda não sabe falar apontar o que é um carro. Minha inútil pesquisa foi para descobrir se ao menos o Google saberia me explicar o motivo desse tal de automóvel (nome formal para o tipo de carro que nos referimos) despertar tantas paixões. Entender por qual razão movimenta bilhões todos os anos em compra e venda, desperta tantos interesses, feiras, revistas, matérias de TV e até programas inteiros nas manhãs de domingo.
É funilaria, mecânica, troca de óleo, porta-luvas, CFC, Detran, Demutran, Ciretran, IPVA, licenciamento, direção defensiva, passagem pela direita, animais na pista, estepe, pretinho para os pneus e polimento para a lataria, calibragem, seta para um lado e para o outro, Waze e tudo mais para fazer uma legião de humanos encantados a cada novo lançamento.
São tantos apaixonados que faz gosto, mas, definitivamente, eu não sou um deles.
Caro leitor, eu sei que parece difícil, desculpa de barbeiro (como, de fato, sou – se é que o jovem aí do outro lado sabe o que significa essa gíria de outrora), porém não consigo me encaixar nesse gigante número de pessoas que venderia até a mãe por um possante, uma máquina. Prefiro minha parte em batatas fritas, que, de similar, têm apenas o óleo em abundância, mas que, ao menos, ainda podem virar sabão.
Não consigo entender o motivo de ter de gostar de passar horas e horas dentro de um carro para atravessar alguns pobres quilômetros para chegar ao trabalho. “Querido autor, se você fica no ônibus ou no trem, passa as mesmas horas, ou mais, e amassado que nem uma sardinha”. Verdade, você tem razão, mas se o senhorito ou senhorita aproveitasse os cinco assentos do seu querido carrinho (coisa rara), tudo seria melhor.
Na verdade, esse discurso sociológico urbanístico sobre espaço e mobilidade é pura balela de minha parte. Meu grande problema é me sentar em frente ao volante e ficar a cargo de ter de movimentar um trambolho de latas, que pesa uma tonelada, por aí sem poder encostar em ninguém.
Mesmo com todos os avessos, um dia me virei para minha noiva, juntamos uns trocados e “habemus carro”. Não me pergunte o porquê desse desatino! Enfim…
Liga o carro, bota primeira, prepara a embreagem, solta o freio de mão e vai controlando o acelerador. PARA! Pisa no freio! Tem um idoso passando na sua frente e você não conferiu a água (xingamentos e xingamentos).
Ah! Você se esqueceu de conferir os espelhinhos, aqueles para ficar atento a todo o instante que estiver na direção, como se sua vida dependesse disso (e depende mesmo). Olha para a direita, olha para a esquerda, vai tocando em frente com a cara de um norte-americano feliz, ouvindo música e conversando baboseiras. Cuidado com o ônibus muito perto. Sinal amarelo, sinal vermelho. Verde, pode ir.
Lombada, faixa de pedestres, gatinhos correndo atrás de ratos na pista. O colega voando a 150 km, outro arrastando a 30 km. Sempre alerta e com atenção redobrada se tiver neblina. Abastece o “pois é” e… “POOOORRAAA, ESSE FDP SAIU RASGANDO E QUASE LEVOU MEU CARRO EMBORA” (reação interna, pois é necessário calma para não ter problema com os demais condutores nem com o coração que pode infartar).
Vai seguindo, entra na estrada com calma, mantendo a velocidade de quinze atletas de maratona. Ninguém dá passagem, e você tenta embicar o carro (embicar? Mas que palavra horrível) até uma hora conseguir. Maldito motoqueiro. Ele buzina para você e mostra o dedo do meio. Ele, lá da divisa da p… que o pariu, te tratando como se você estivesse pronto para esmagá-lo.
Falando no querido motociclista (motoqueiro é pejorativo)… Muitas vezes, ele corta pela esquerda, depois enjoa e corta pela direita, e você lá, segurando o volante com o receio de sair ziguezagueando e acertar um a um como uma bola de boliche. Dá até para imaginar os sujeitos rolando como o Neymar asfalto abaixo. Que vontade de rir!
Depois de horas desviando do caminhão de frutas, do colega ciclista, dos milhões de carros querendo correr mais que o Ayrton Senna, você, finalmente, estaciona e respira fundo. Segura as pernas bambas dentro das calças, aliviado por não ter jogado ninguém pela ribanceira abaixo. Só uns arranhões na lataria e um pequeno prejuízo no bolso.
Bem, tenho um carro, mas abro vagas para Ubers particulares que não se importem em receber apenas uma bala e uma garrafa com água da torneira. Se não rolar, posso trocar por uma chinchila.
Propostas no zap.