O trem às 7 da noite
- Marcos Ferri
- 6 de abr.
- 2 min de leitura
Atualizado: 6 de abr.
E + uma dica de música
Por Marcos Ferri

As pessoas estão cansadas, as pessoas estão com sono. Elas estão suadas, com dores nas costas, com mochilas e bolsas pesadas. Elas estão incomodadas com os odores alheios. Elas estão inquietas com o próprio cheiro.
O cidadão cansou de buscar sinal de internet, se estressou com o vagão andando lento. O pai de família quer sua filha, seu filho, sua mãe, sua esposa. O livro já saturou nas mãos e a vista está turva. A música se repetiu no tocador digital. A música acalma.
Os passageiros estão emburrados, estão apertados. Muita gente em poucos metros. Os braços se encostam e se arranham. O celular com pouca bateria, a dona de casa constrangida com o apertão involuntário, a jovem com medo do sujeito de olhos gulosos se aproveitando da aglomeração.
O ar-condicionado não supre a demanda. O cheiro é de animais. O garoto tomou um pisão no pé. Alguém espirrou. Nojo e neurose.
Na multidão tem enxaqueca, varizes, dor no siso, alto-falante chiando e câimbras. Marmita suja e azeda, sede e fome. Camelôs vendendo bala, canela de velho e fones de ouvido.
Tem cidadão de bem, cidadão que se acha do bem, marginais, trabalhadores, criminosos, virgens e putos. Guardinhas levando chocolates sem nota fiscal e gente com computadores de toneladas nas costas batendo nos outros. Estudantes e aposentados. Doentes e saudáveis, todos respirando o mesmo ar abafado.
Cabelos cheirosos, cabelo caindo, cabelo sujo, cabelo ensebado, carecas brilhantes. Caspas, brilho e frizz, empapados de gel seco e creme.
Cacheados, lisos, aliados e crespos. Todas as cores de fios e peles com os mesmos poros. Corpos esguios, gordos, malhados e sedentários.
O velhinho tenta um assento e alguém finge dormir. Outro dorme mesmo.
Camisetas amassadas, calças amarrotadas, calçados surrados. Camisa social, gravata afrouxada, blusa de frio no braço.
19h20. O guarda empurra mais gente para dentro a fim de aliviar a plataforma.
Alguém sorri para o lado.
O rosto exausto vai descer na próxima estação.
Essa semana vamos de clichê dos anos 2000. Com vocês: Criolo e a já clássica 'Não Existe Amor em SP':
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